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O Código da Estrada renovou-se

Artigo
O Código da Estrada renovou-se

No passado dia 1 de janeiro entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada (CE). Contrariamente ao que se leu e ouviu em algumas ocasiões, não se trata de um novo Código, mas sim da décima terceira alteração ao mesmo, o qual data de 1994. Aliás, sobre a evolução do CE, proponho-me escrever em breve um outro artigo com a sequência e incidências que têm caracterizado a vida do Código da Estrada em Portugal.

Por ora, fiquemo-nos pelas mais recentes alterações ao Código, as quais visaram sanar algumas normas declaradas inconstitucionais, bem como aperfeiçoar algumas regras de trânsito e ainda simplificar o regime processual das contraordenações rodoviárias.

Não obstante o facto das alterações operadas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro, já estarem em vigor há mais de três meses, constata-se que as mesmas ainda  suscitam algumas dúvidas e, mais preocupante, são mesmo desconhecidas por alguns  “atores” do ambiente rodoviário. Por isso, e pese embora o tempo que já decorreu desde a sua vigência, nunca é tarde para as dar a conhecer ou recordar.

Não pretendendo ser exaustivo, uma vez que a referida Lei alterou 62 artigos e aditou cinco novos artigos, vou cingir-me àquelas alterações que, em nossa opinião, são suscetíveis de ter mais impacto na vida dos “atores” do ambiente rodoviário.

Começo por falar na introdução do conceito de Utilizadores Vulneráveis, o qual integra condutores de velocípedes e peões, dando particular destaque às crianças, idosos, grávidas, pessoas com mobilidade reduzida ou portadoras de deficiência, os quais beneficiam de especial proteção por parte do Código.

Outro novo conceito é o de Zona de Coexistência, a qual foi concebida para uma utilização partilhada e em harmonia entre peões e veículos, devidamente sinalizada e onde os peões poderão utilizar toda a largura da via pública, inclusive para realizar jogos, ainda que de forma a não impedir ou embaraçar desnecessariamente o trânsito. Por seu lado, os condutores de veículos não podem ultrapassar 20 km/hora, devendo preservar a segurança e comodidade dos utilizadores vulneráveis. Quanto ao estacionamento, o mesmo só será permitido em locais devidamente sinalizados para o efeito. Como é bom de ver, estas novas zonas serão implementadas em zonas urbanas, cabendo às autarquias locais a decisão da sua localização, desde que estejam reunidos determinados requisitos técnicos.

Outra das principais alterações recentemente introduzidas prende-se com o regime da circulação de velocípedes, os quais passam a poder circular nas bermas, desde que tal não constitua perigo para os peões que nelas circulem. Por outro lado, passam a poder circular a par numa via, exceto em situações de grande intensidade de tráfego ou em vias com reduzida visibilidade. Os condutores de velocípedes, enquanto utilizadores vulneráveis, passam a ter uma especial proteção no Código da Estrada, como resulta, por exemplo, na distância lateral mínima de 1,5 metros que um veículo motorizado deve guardar sempre que pretenda ultrapassar um velocípede.

Ainda sobre os velocípedes, nunca é demais recordar que se tratam de veículos, pelo que devem circular na faixa de rodagem, ou nas pistas e vias reservadas, com exceção das crianças até 10 anos, cuja condução de velocípedes é equiparada ao trânsito de peões, podendo circular nos passeios. Convém também não esquecer que, numa passagem assinalada para a travessia de peões, o utilizador do velocípede só assume a condição de peão se estiver apeado do mesmo.

Questões polémicas têm sido a não obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil ou de capacete para os condutores de velocípedes. Sobre estas questões, têm-se esgrimido inúmeros argumentos pró e contra o texto da Lei, sendo no entanto aconselhável, até para sua salvaguarda, que quem utilize aqueles veículos seja possuidor quer de seguro de responsabilidade civil, quer de capacete, opinião aliás corroborada por associações de utilizadores de velocípedes.

Outra das novidades trazida ao Código prende-se com a clarificação do regime de circulação em rotundas: passa a ser proibida a circulação pela via mais à direita da rotunda, salvo se se pretender sair na saída imediatamente a seguir. Pretende-se assim assegurar a fluidez do trânsito no interior da rotunda, estando excecionados desta regra os veículos pesados, os velocípedes e os veículos de tração animal, os quais podem utilizar a via direita independentemente da saída que pretendam tomar, devendo no entanto facultar a saída dos outros veículos.

Relativamente ao transporte de crianças, mantém-se na generalidade o regime que já vigorava, com exceção no facto de que os sistemas de retenção pra crianças, vulgo “cadeirinhas”, só são obrigatórios para crianças até 1,35 metros de altura, enquanto que anteriormente a altura relevante era de 1,50 metros. Por outro lado, ainda no que toca aos referidos sistemas, os mesmos podem ser dispensados de homologação, desde que a sua utilização tenha por base prescrição médica especializada, por forma a poderem adaptar-se as limitações físicas e/ou motoras específicas.

Também o elenco dos documentos de que o condutor deve ser portador sofrem alteração: para efeitos de notificação, o domicílio relevante passa a ser o fiscal, pelo que os condutores que ainda não possuam cartão do cidadão devem fazer-se acompanhar do respetivo cartão que contenha o número de identificação fiscal.

Quem tem mesmo de falar ao telemóvel enquanto conduz, ainda que utilizando dispositivos que não impliquem o seu manuseio continuado, deve escolher bem o dispositivo que vai usar, pois de acordo com a nova redação do artigo 84.º, apenas os dispositivos dotados de um único auricular são permitidos, bem como os microfones com sistema de alta voz.

Outra das alterações que porventura terá maior impacto prende-se com a redução da taxa de álcool para determinados condutores. Assim, desde 1 de janeiro que a taxa de álcool no sangue a partir da qual é considerada contraordenação sofreu uma redução significativa para condutores de veículos pesados de mercadorias ou de passageiros, de socorro ou serviço urgente, de transporte coletivo de crianças, de táxis e deveículos de transporte de mercadorias perigosas. Temos pois que os condutores deste tipo de veículos e também os condutores habilitados há menos de três anos, passam a ser autuados sempre que sejam fiscalizados com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,20 g/l.

Por último, em sede de contraordenações rodoviárias, o pagamento do valor

equivalente ao mínimo da coima, nas primeiras 48 horas após a notificação do auto, é sempre considerado como depósito, convertendo-se em pagamento voluntário se não for apresentada defesa escrita no prazo disponível para o efeito. Por outrolado, a defesa será sempre apreciada, independentemente do pagamento voluntário da coima ou da gravidade da infração, sendo que nas situações em que não haja condenação do condutor, as taxas que eventualmente tenham sido pagas na sequência de bloqueamentos, remoção e/ou depósito de veículos, serão devolvidas.

Mais havia a dizer ainda sobre as recentes alterações ao Código da Estrada, mas procurei manter a promessa de não ser exaustivo. Quiçá o tema seja recuperado no futuro, se tal se mostrar útil por forma a contribuir para uma melhor informação dos cidadãos e para a promoção da segurança rodoviária

Ciente do impacto que estas alterações implicam no quotidiano de quem conduz, ou simplesmente é peão, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária tem vindo a fazer um périplo pelos principais eventos dedicados ao sector dos transportes, ou em diversos fóruns sobre segurança rodoviária, nos quais tem sensibilizado para as alterações que já estão em vigor.

Como sempre, a ANSR está também disponível para o esclarecimento de dúvidas sobre estas ou outras questões relacionadas com as recentes alterações ao Código da Estrada, contribuindo desta forma para uma transição para as novas regras que se deseja pacífica mas que, sobretudo, contribua para a promoção de uma cultura de segurança rodoviária.

Pedro MIguel Silva
Assessor da Presidência da ANSR

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Sobre o autor
Pedro Miguel Silva