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Nova geração de motores a gasolina, downsizing e sobrealimentação

Artigo
Nova geração de motores a gasolina, downsizing e sobrealimentação

No princípio dos anos noventa, quando me comecei a interessar por automóveis, os veículos com motor a gasolina atmosférico dominavam o mercado, os motores sobrealimentados a gasolina estavam reservados a veículos de altas prestações (com algumas excepções como
os Saab com turbo de baixa pressão) e os veículos Diesel ainda eram algo marginais mas com motor VW 1.9Tdi a começar a revolucionar o mercado.

Nas marcas generalistas, de entre os veículos a gasolina, os citadinos tinham motores entre 1.0 e 1.3 litros com potências entre os 50 e os 80 cavalos, os familiares compactos e berlinas entre 1.4 (70-100 cv) e 1.6 (90-110 cv) e as versões desportivas motores de 2 litros com 130-150 cv. Motores com mais de 2 litros eram o exclusivo de marcas de prestígio.

Actualmente o cenário é muito diferente. Os motores diesel de baixa cilindrada dominam totalmente o mercado e até à poucos anos o cenário nos motores a gasolina, cada vez mais marginais em todos os segmentos que não os citadinos, não era muito diferente do que se passava antes do domínio dos motores Diesel.

No entanto, desde à 10 anos para cá está em curso um processo de transição na tecnologia dos motores a gasolina. A sobrealimentação que era um exclusivo dos motores de elevadas prestações passou a surgir em motores a gasolina de pequena cilindrada, e hoje em dia temos uma oferta bastante extensa deste tipo de motores: a família TSi da VW, TCe da Renault, THP da Peugeot/Mini, EcoBoost da Ford, entre outros. O que estes motores têm em comum é o facto de estarem disponíveis com cilindradas entre os 1.0 e os 1.6 litros mas com potências entre os 90 e os 180 cv, ou seja, o espaço ocupado pelos tradicionais motores atmosféricos entre os 1.4 e 2 litros. Mas sabendo-se o dispendioso que é desenvolver um novo motor, o que levou as marcas automóveis a investir tanto nestas novas tecnologias que vêm substituir motores já testados?

Trata-se de um processo denominado de downsizing, uma técnica aplicada com sucesso aos motores Diesel e que visa reduzir as dimensões de um motor recorrendo a tecnologias modernas para manter o nível de potência com a promessa de melhorar a eficiência e reduzir os consumos, um dos principais argumentos de venda hoje em dia. Ao produzir a mesma potência num motor de menor cilindrada reduzem-se as perdas no motor (mecânicas, térmicas) e diminui-se o peso deste, o que também vai contribuir para a redução do peso do veículo onde está instalado e adicionais reduções de consumo.

Para manter a potência recorre-se à sobrealimentação, mas esta traz consigo um conjunto de problemas adicionais, como seja a detonação (já mencionada num artigo anterior) e a emissão de poluentes. Assim, associado à sobrealimentação surgem tecnologias adicionais como sejam a injecção directa de gasolina, a recirculação de gases de escape ou variação da abertura das válvulas. As duas primeiras tecnologias, curiosamente, fazem com que estes novos motores sejam cada vez mais parecidos com os motores Diesel.

Se a cargas elevadas estes motores não têm vantagens significativas em relação aos motores atmosféricos que vêm substituir, já a cargas parciais típicas de uma utilização urbana ou em pára-arranca o aumento de eficiência é considerável. Se recordarmos o artigo sobre a forma como os consumos de certificação são calculados verificamos que são estas as situações mais frequentes nos ciclos de teste, o que faz com que os veículos equipados com estes motores apresentem, pelo menos no papel, consumos muito interessantes.

Na prática não é bem assim, e numa utilização normal os consumos podem surpreender pela negativa os condutores que não tenham noção das características destes motores. Quando são conduzidos a baixas potências as reduções de consumo são reais, mas quando o condutor faz uso da potência disponível não há volta a dar e os consumos vão ser forçosamente da mesma ordem dos motores atmosféricos convencionais. E sabendo da apetência do condutor típico para abusar do pé direito os resultados podem ser desapontadores, mais crítico ainda se a comparação for feita com os motores Diesel de cilindrada comparável. Este efeito é agravado por um factor que passa despercebido à maioria dos condutores, um litro de gasóleo tem cerca de 15% mais energia que um litro de gasolina, o que acaba por distorcer ainda mais a diferença de consumo.

Em termos económicos os veículos equipados com estes novos motores a gasolina continuam a ser substancialmente mais baratos que os equivalentes Diesel, se compensa ou não vai depender da diferença de preço dos combustíveis e das distâncias percorridas.

Concluindo, estes novos motores podem vir a dar uma nova vida aos veículos a gasolina mas, embora potencialmente mais económicos, os consumos anunciados tendem a ser muito optimistas dependendo fortemente da forma como o veículo é conduzido.

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

 

 

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