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O Regresso às Aulas

Artigo
O Regresso às Aulas

Já estamos em setembro. Para muitos, tal significa o final das merecidas férias e o regresso às rotinas quotidianas do resto do ano. Parte dessas rotinas, para quem está ou tem filhos em idade escolar, consiste no regresso às aulas.

Com o início do ano letivo, aumenta o fluxo de crianças em circulação no ambiente rodoviário, o que significa também uma maior exposição ao risco daqueles que integram o conceito de utilizadores vulneráveis, devido a fatores como a sua inexperiência, pouca noção dos perigos e fragilidade física.

O meu artigo de hoje pretende alertar para os perigos inerentes às crianças com idades até 14 anos, mas também informar sobre os cuidados a ter para que elas possam circular em segurança, independentemente do meio de transporte utilizado.

Os dados da sinistralidade registada referente a 2013, revelaram que o grupo etário com idade inferior ou igual a 14 anos, foi o que registou a menor taxa de mortalidade, sendo 15 vezes inferior à das restantes faixas etárias, representando 1,2% do total de vítimas mortais e 4,6% do total de feridos graves, sendo que mais de 80% destas vítimas foram peões ou passageiros de veículos ligeiros e que grande parte resultou de atropelamentos ou colisões em zonas urbanas.

Se analisarmos a tendência nos últimos 10 anos, no que toca à sinistralidade envolvendo jovens com idade inferior ou igual a 14 anos, temos um decréscimo significativo e mais acentuado face ao das restantes faixa etárias, com uma diminuição de 86% do número de vítimas mortais e de 67% do número de feridos graves.

Pese embora a evolução da última década apresentar indicadores positivos relativamente à sinistralidade envolvendo os jovens desta faixa etária, tal deve ser encarado como um desafio à constante melhoria e superação destes números. Num país tendencialmente envelhecido como o nosso, os jovens são um “ativo” extremamente valioso e que urge preservar, devendo merecer de todos nós um cuidado especial.

Assim, devemos ter presente as especificidades próprias desta faixa etária, sendo que algumas delas podem comprometer a sua segurança num ambiente rodoviário. Desde logo, a pequena estatura da criança impede-a de visualizar todo o ambiente rodoviário e de, muitas vezes, de ser vista pelos condutores, sendo que ao nível das perceções visual e acústica, a amplitude da sua visão é menos abrangente do que a dos adultos, sendo-lhe igualmente difícil usar a visão periférica, bem como identificar os sons e localizar a respetiva proveniência. Por outro lado, estas crianças têm uma impulsividade e espontaneidade próprias dos mais novos, podendo, por vezes, ser imprevisíveis e imprudentes, tendo uma fraca noção do perigo, das distâncias e das velocidades, desconhecendo ou subestimando os riscos inerentes à circulação rodoviária. Outra questão que não é despicienda, tem que ver com o fenómeno da imitação dos adultos: se os adultos que estão mais próximos destas crianças adotarem comportamentos de risco, desrespeitando as regras de segurança instituídas, as crianças irão achar que nada lhes acontecerá se agirem da mesma forma.

O combate ao fenómeno da sinistralidade rodoviária deve ser encarado como um desígnio nacional e uma responsabilidade de todos, sendo que a proteção das nossas crianças deve assumir-se como uma prioridade. Esta é uma tarefa que deve envolver toda a sociedade, com maior ênfase para a família e agentes do sistema educativo que, desde muito cedo, têm um papel fundamental na formação da criança, estando em condições privilegiadas para lhes proporcionar uma aprendizagem alicerçada na sua vivência diária e nos bons exemplos.

Cabe, assim, aos adultos garantir a segurança das crianças, devendo estar atentos às situações de risco, adotando atempadamente as medidas necessárias para fazer cessar esse risco e fazendo uma pedagogia que garanta a sua salvaguarda. É necessário despertar a criança para os perigos a que está sujeita quando transita na via pública e ensiná-la a ultrapassá-los, a distinguir o que está certo e errado e a conhecer pequenas regras a que deve estar atenta, por forma a proporcionar-lhe uma interiorização gradual de atitudes e comportamentos seguros.

Se a criança vai para a escola sozinha, a pé, deve ser devidamente preparada antes do início das aulas, fazendo o percurso casa-escola-casa mais do que uma vez, por forma a memorizar o trajeto, cuja escolha, por sua vez, deve obedecer a critérios de segurança, nomeadamente a existência de passeios e passagens de peões, caminhos que não sejam pouco frequentados, entre outros.

Aliás, enquanto peão, a criança deve aprender a caminhar sempre pelo passeio, usando preferencialmente roupas claras e acessórios retrorrefletores, mesmo durante o dia. Sendo os atropelamentos responsáveis pelo maior número de vítimas mortais e de feridos graves, a criança deve estar informada de que é sempre mais seguro atravessar na passagem para peões e que, na sua ausência, deve procurar locais com boa visibilidade para ambos os lados da faixa de rodagem. Outro aspeto muito importante no atravessamento é ensinar a criança a estabelecer contacto visual com os condutores e esperar um sinal de que têm a intenção de parar.

Caso as crianças se desloquem com recurso aos transportes públicos, devem ser acompanhadas nas primeiras vezes que os utilizem, por forma a aprender a comportar-se de forma segura: esperar na paragem em fila e longe da faixa de rodagem, evitar brincadeiras perigosas, não se aproximar do veículo antes de este estar parado, ter especial cuidado com as entradas e saídas e só atravessar a rua depois do veículo se afastar.

Se a opção para as deslocações das crianças for a do veículo ligeiro, nunca é demais lembrar a necessidade de utilizar um sistema de retenção homologado e adequado ao seu tamanho e peso, do cinto de segurança, além de que a entrada e saída do veículo se fazem pelo lado do passeio.

Não podemos esquecer que as crianças com idade inferior ou igual a 14 anos podem ser também condutores, designadamente de velocípedes. Andar de bicicleta representa uma nova etapa na independência da criança e, naturalmente, um risco acrescido. Para que ela o faça de forma responsável, é necessário aprender a circular à direita, preferencialmente usando capacete e equipamento de segurança, evitar a proximidade excessiva de veículos estacionados, usar roupa e iluminação adequadas, abstendo-se de fazer acrobacias, corridas ou qualquer outro tipo de brincadeira quando anda na estrada.

Como já disse anteriormente, a maioria das vítimas com idade inferior ou igual a 14 anos, registaram-se em meio urbano, o qual pode ser agressivo por não atender às especificidades das crianças, pelo que também as autarquias terão um papel extremamente importante no garante da segurança rodoviária. Se no passado existiam doutrinas segundo as quais as crianças deviam ser educadas para se adaptarem às exigências do ambiente rodoviário, hoje em dia a doutrina dominante vai no sentido de que as necessidades das crianças devem ser contempladas desde logo, no design, planeamento e gestão do sistema de circulação rodoviária.

Assim, as autarquias deverão criar pistas para peões e ciclistas, assegurar a qualidade da envolvente rodoviária das escolas, nomeadamente os passeios, bermas transitáveis, passagens para peões, sinalização, etc., facilitar os acessos às escolas e criar locais destinados à tomada e largada de passageiros e adotar medidas e/ou áreas de acalmia de tráfego, com o intuito de reduzir a velocidade nos locais mais frequentados por crianças.

Por último, não poderia deixar também de referir a preocupação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária com o fenómeno da mobilidade dos mais jovens, em particular durante o ano letivo: anualmente, em setembro, este organismo lança uma campanha subordinada ao “Regresso às Aulas em Segurança”. Nesse sentido e para o corrente ano, a ANSR produziu o folheto “>= 14 ANOS”, o qual será distribuído com a imprescindível colaboração das entidades fiscalizadoras (GNR e PSP).

Contendo um conjunto de conselhos e de boas práticas, o referido folheto (também disponível em www.ansr.pt ) pretende contribuir para a promoção de uma cultura de segurança rodoviária, tendo em conta que são os valores interiorizados pela geração mais nova que tornam viável o desenvolvimento de uma sociedade com cidadãos e condutores bem formados, respeitadores das regras de trânsito e solidários com o seu semelhante, além do papel de “consciência cívica” que as crianças assumem já hoje perante os adultos.

Pedro Miguel Silva
Assessor da Presidência da ANSR

 

 

 

 

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Pedro Miguel Silva