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Turbo-compound: da aviação para a Fórmula 1

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Turbo-compound: da aviação para a Fórmula 1

Um dos temas recorrentes quando se fala de motores é a constatação que pouco se fez de radicalmente novo nos últimos 50 anos, e que a maior parte das tecnologias que usamos hoje em dia foram na prática desenvolvidas há bastante tempo. Um dos exemplos que gostava de referir é o aproveitamento da energia dos gases de escape, usada nos motores de Fórmula 1 nas últimas temporadas por forma a aumentar a eficiência e potência dos motores.

Em qualquer motor de combustão uma quantidade considerável da energia do combustível é perdida através dos gases de escape, que são emitidos para a atmosfera a pressões e temperaturas consideráveis. O aproveitamento mais simples dessa energia é através da utilização de um turbocompressor, em que a compressão do ar de admissão é feita à custa de recolher parte da energia dos gases de escape. Por esta razão um motor turbocomprimido é geralmente mais eficiente que um motor atmosférico comparável. A quantidade de energia que é possível recuperar desta forma é limitada uma vez que os gases de escape contêm muito mais energia do que a necessária para comprimir o ar de admissão.

No caso dos motores de Fórmula 1 presentemente usados, os gases de escape são usados para accionar uma turbina que vai actuar, para além do compressor, um gerador eléctrico que vai carregar uma bateria – a energia contida nessa bateria é depois usada para acelerar o compressor ou para actuar um motor eléctrico acoplado ao motor (o sistema é um pouco mais complexo do que isto, para mais informação seguir este link).

Embora pareça (e seja) muito sofisticado, como já devem ter percebido pela introdução, este conceito não é novo, e uma das suas primeiras implementações ocorreu num período histórico revolucionário para a aviação: a transição do motor de pistão para a turbina a gás como forma de propulsão preferida na aviação comercial.

Durante a segunda guerra mundial, a tecnologia de turbinas a gás começou a ser usada como forma de propulsão, com desenvolvimentos independentes no Reino Unido e na Alemanha. Embora a esmagadora maioria dos aviões de combate fosse propulsionado por motores de pistão, cedo ficou claro que o futuro estava nas turbinas a gás. Estas permitiam potências (e velocidades) muito mais elevadas com pesos muito mais baixos. As turbinas a gás têm, no entanto, um problema de base, são menos eficientes que os motores de pistão, o que se não sendo particularmente relevante num caça, já para um bombardeiro de longo alcance não é bem assim.

O mesmo se aplica para aviões de passageiros comerciais, onde o consumo de combustível é crítico. Isto levou a que os motores de pistão sobrevivessem mais alguns anos em aplicações comerciais, como sejam o Lockheed Constellation e o Douglas DC-7 (a cabine e um dos motores deste último podem ser vistos no museu do ar em Sintra). O motor que equipava estes dois aviões era o Wright R-3350, um motor radial de 18 cilindros, com 55 litros, que produzia, nesta aplicação, 3250 cavalos. Este motor tinha a particularidade de usar três turbinas que recuperavam parte da energia dos gases de escape e a reintroduziam directamente na cambota, gerando aproximadamente 500 cavalos adicionais. Uma dessas turbinas é claramente visível na foto no canto inferior esquerdo a vermelho.

Embora este tenha sido o único motor com este tipo de recuperação de energia usado em aplicações comerciais, não foi o único a ser desenvolvido, e gostaria de apresentar só mais um para ilustrar o conceito. Trata-se do Napier Nomad e neste caso estamos a falar de um motor Diesel a 2 tempos, ao qual estava acoplada um turbina e um compressor axial que, além de comprimirem o ar de admissão, devolviam parte da energia de volta à cambota. O resultado foi um motor extremamente eficiente até pelos padrões actuais (~40%) mas que nunca passou de protótipo. Para os interessados em mais detalhes da sua construção sugiro este link.

Estes motores, embora com limitada aplicação prática, não deixam de ser os percursores da tecnologia de ponta que vemos hoje em dia na Fórmula 1 e que, esperemos, venha um dia a ser aplicada em automóveis comuns.

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

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