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2040

Artigo
2040

Há uns dias, aqui neste mesmo espaço, Ricardo Portal dava-nos nota dos investimentos de marcas de automóveis de primeira linha no desenvolvimento de novos e sofisticados sistemas, designadamente de piloto-automático e das tendências defendidas pelos visionários do sector sobre os automóveis do futuro: os veículos autónomos. Os principais objetivos pretendidos por aqueles construtores, resumindo, são dois: “que o tempo despendido na condução seja utilizado para outra tarefa mais produtiva e para que a ocorrência de sinistros seja substancialmente reduzida”. E terminava, estimando que “em 2040, 75% dos veículos serão completamente autónomos”.

Confesso que, sem justificação consciente e alguns minutos depois de ler aquele texto, fiquei com uma ligeira angústia interior, arranhando-me a garganta. Comecei por pensar que me havia fixado na idade que eu próprio teria em 2040 e com isso, inconscientemente, ser forçado a aceitar que um veículo autónomo poderia ser uma preciosa ajuda. Acabei por concluir que o Ricardo me havia deixado a pensar no primeiro daqueles dois objetivos dos fabricantes: tornarem-nos em autómatos eficientes sem direito ou espaço para momentos de prazer e emoção, como aqueles que só ao volante de um carro, moto, barco ou avião se conseguem.

Sendo verdade que muitos condutores o são apenas para se transportarem de um local ao outro; e que, para muitos destes casos, um veículo com personalidade e convicção próprias seria muito conveniente (principalmente nas rotundas e cruzamentos…), sobretudo para a segurança dos demais – também é verdade que para a restante quota, aqueles são momentos únicos. Momentos de dimensão humana. Momentos de concentração e de evasão mental.

Na minha opinião, para os primeiros, a concretização do transporte molecular proposto nos anos setenta do século passado, por exemplo na saga do Star Wars por George Lucas Jr, será bem mais apropriado e eficiente do que os tais veículos autónomos. Neste caso, nem tempo despenderiam.

Google Self-Driving Car ou Driverless Car, “AppleCar” ou “Windows 4X4”, até poderão ser marcas sexy, de veículos muito evoluídos, e concorrerem de forma determinante para a eficiência de cada um de nós e para a redução da sinistralidade. No entanto, pelo menos por ora e para mim (suponho que para grande parte do último grupo), os momentos de limpeza mental, descontração, diversão ou apenas prazer ao volante de uma macchina são incomparavelmente mais humanos e não menor ferramenta de eficiência pelo que nos aproxima da criatividade pelo sonho.

Sem filas de trânsito (que a existência de veículos autómatos não evitará), um bom volante funciona como um autêntico SPA para a mente. A teoria dos “zero acidentes”, grande argumento de alguns daqueles construtores (por exemplo, a Volvo) de veículos autónomos é, na minha opinião, um disparate. Nos últimos 30 anos ou 40 anos, na aviação comercial, os incidentes e acidentes, sobretudo os fatais, tiveram como principais fatores concorrentes os erros de interpretação de dados por parte dos sistemas, que logo de seguida entram em colapso, ou aspetos físicos externos ao aparelho e tripulação.

Não estou a defender a quebra de tecnologia nos veículos de transporte, quaisquer que sejam. A tecnologia tem sido fundamental na melhoria da nossa segurança e, portanto, a sua contínua evolução e introdução só irá resultar na redução de acidentes, sejam no ar, no mar ou rodoviários – mas já será ingénuo pensar na sua eliminação.

Finalmente e declarando-me contra, confesso admitir que esta tendência nos leve em 2040 a uma realidade automóvel tão asséptica e virtual quão desinteressante para os tais 75% dos casos. E, nesse caso, sendo provável estar ainda pendente nos tribunais portugueses, o caso Táxis-Uber, ficará driverless resolvido.

Mário Lopes
Dunbelt, SA

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