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A doença, o diagnóstico e a cura

Artigo
A doença, o diagnóstico e a cura

É já de todos conhecido o aumento de vítimas de acidentes rodoviários, quando comparado com o mesmo período do ano passado. Por razões não muito claras, assistimos a um processo de total inversão dos citados registos, mesmo quando comparados com os dez últimos anos. O número total de sinistros diminuiu, mas o número de vítimas mortais, feridos graves e feridos leves, ao invés, aumentou. Tal facto representa, desde logo, um claro aumento do grau de gravidade dos acidentes rodoviários. E, pior que tudo isto, não se conhecem com clareza as razões pelas quais isto aconteceu.

Conhecemos fenómenos idênticos de inversão de valores noutros países da União Europeia. O caso mais extraordinário é o da Suécia, em 2011. Depois de um extraordinário período de redução (471 mortos em 2007 para 266 em 2010)l o número de mortos voltou a aumentar. O fenómeno voltou a ocorrer em 2014, para decrescer de novo em 2015. Mas, como é comum dizer-se, com o mal dos outros…

Na verdade a realidade nacional e a sueca não têm comparação possível, exceto no que toca ao fenómeno em si. Mas podíamos, ainda assim, com facilidade identificar e aprender algumas lições, designadamente no que ao estudo científico das causas diz respeito. Enquanto tal não acontecer, agarramo-nos ao registo estatístico que, salvo melhor opinião, já provou não ser o bastante para que saibamos qual o melhor remédio para atacar a maleita. Já imaginaram um médico que aplica terapias sem conhecer os resultados dos exames de diagnóstico?

Preocupa-nos, sobremaneira, o aumento muito significativo das vítimas, condutores ou passageiros de veículos de duas rodas a motor, especialmente motociclos. Em 2016, no total dos veículos intervenientes em acidentes, os ciclomotores e os motociclos, em conjunto, representaram 14%. Não é muito, dirão. Depende da perspetiva, digo eu. Se olharmos para o número de veículos intervenientes em acidentes por cada 1000 em circulação, os automóveis ligeiros são 8, os pesados 12 e os motociclos (reparem que já não se somam aos ciclomotores) são 24. Exatamente, 24. Mas pior: é também a categoria de veículos em que nos últimos anos não se assiste a uma diminuição no número de vítimas, pelo contrário.

A condução/utilização do veículo de duas rodas assume, por natureza, maior risco, quer pela exigência técnica na condução, quer pela exposição dos seus ocupantes. Na verdade, o desprezo por um dos factores, ou até pelos dois, mesmo que inconsciente, são a receita exata para tudo correr mal, mais tarde ou mais cedo. Constata-se ainda que o escalão etário em que se agrupa maior número de vítimas se encontra entre os 35 e os 44 anos. Curioso, não?

Todas as constatações anteriores tendem, no ano em curso, pela observação que temos feito, a agravar-se. Urge pois, rapidamente, diagnosticar a doença e aplicar a medicação correta. De uma vez por todas. Caso contrário, vamos sempre ser surpreendidos pelo facto de fazermos todo um enorme esforço, sem resultados satisfatórios. E o mau resultado é só a perda de vidas humanas ou o aumento de pessoas incapacitadas para o resto das suas vidas.

João Carlos Redol Lourenço da Silva
Comandante da Unidade Nacional de Trânsito da GNR

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