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Ainda os dados da sinistralidade rodoviária

Artigo
Ainda os dados da sinistralidade rodoviária

Foram publicados recentemente os dados da sinistralidade rodoviária de 2013 (mortos a 30 dias). Na evolução de curto prazo, verifica-se uma redução significativa do número de vítimas mortais (menos 11,3% do que em 2012), mas pequenos aumentos do número de acidentes com vítimas (mais 1,6%), de feridos graves (mais 0,3%) e de feridos ligeiros (mais 1,8%). Se a estes dados acrescentarmos a redução do combustível consumido em 2013 face a 2012 (menos 2,6%), que corresponde a uma redução semelhante da quilometragem percorrida pelo parque, verificamos que a rdução do número de mortes por quilómetro percorrido foi de apenas 8,9%, e que o aumento de acidentes com danos corporais foi de 4,3%, de feridos graves foi de 3,0% e o aumento de feridos ligeiros foi de 4,5%.

Que outros dados caracterizam a evolução dos acidentes entre 2012 e 2013? Numa primeira análise, e apenas centrada nos dados disponíveis no site da ANSR, consideramos muito significativos os dados referentes à evolução da sinistralidade de dia, comparada com a sinistralidade de noite ou crepúsculo – redução de apenas 2,3% dos mortos em acidentes verificados de dia e de 22,2% (10 vezes mais!) nos verificados de noite. De noite verificou-se mesmo redução do número de acidentes com danos corporais, bem como do número de feridos graves e ligeiros, enquanto de dia, o número de acidentes e de feridos aumentou.

Diferença ainda muito mais significativa verificou-se na evolução dos acidentes verificados com “bom tempo” ou com “chuva ou outras condições climatéricas desfavoráveis”. Na realidade, com bom tempo, o número de vítimas mortais diminuiu 18,1%, enquanto com “mau tempo” aumentou 30,9% !!! Estes dados são consequência de ter havido muito mais dias com “mau tempo” e muito menos dias com “bom tempo” em 2013 do que tinha havido em 2012. A diferença na evolução dos dados referentes a acidentes e feridos é igualmente muitíssimo diferente, pelas mesmas razões – menos 4,0% de feridos graves com bom tempo e mais 27,0% de feridos graves com mau tempo.

Estes dados, só para citar alguns mais relevantes servem para ilustrar de forma muito clara que a análise estatística da evolução da sinistralidade não se pode fazer sem estudo aprofundado das condicionantes, pelo que lamentamos muito a forma muitas vezes precipitada como se tiram conclusões muito rápidas, normalmente erradas. Mas estes dados ajudam também a explicar que a comparação de dados entre dois anos consecutivos não permite perceber de forma sustentada a evolução da sinistralidade rodoviária. Para isso são necessárias séries de vários anos, onde as variações pontuais das condicionantes se esbatem.

2013 foi o quarto ano consecutivo em que se apuraram os dados de acordo com uma nova metodologia, muito mais correcta, que permite apurar os “mortos a 30 dias”. Ao analisarmos a evolução dos dados nesses 4 anos (entre 2010 e 2013), constatamos que a redução do número anual de vítimas mortais tem sido sustentada, e que reduziu em 34,2%, tendo o número de feridos graves reduzido 21,4%, o de feridos ligeiros 16,1% e o número de acidentes com danos corporais reduziu 14,4%. Mas também podemos constatar que a redução do consumo de combustível (e portanto de quilómetros percorridos) foi de 17,3%. Ou seja, isto significa que o número de acidentes e de feridos ligeiros por quilómetro percorrido não reduziu. Pelo contrário aumentou (mais 1,4% nos feridos ligeiros por combustível consumido e mais 3,6% de acidentes com danos corporais), e mesmo o número de feridos graves por quilómetro percorrido apenas reduziu 4,9% e o de vítimas mortais 17,8%.

Recuando no tempo, podemos constatar que desde 2004 (ano com maior consumo de sempre) até 2013, o consumo de combustível caiu 24,0%. Neste período a sinistralidade mais grave desceu bastante mais do que a queda do consumo – menos 54,4% de mortos e menos 51,0% de feridos graves, a que correspondem quedas de mortos e feridos graves por consumo de 39,85 e de 35,4%. No entanto, no que respeita à sinistralidade em geral, não houve nenhuma redução nas taxas por consumo – aumento de 1,5% nos feridos ligeiros e de 2,5% no número de acidentes com danos corporais. Porquê estas diferenças tão acentuadas?

Aqui vai a nossa explicação:
1. Os veículos apresentam cada vez melhor segurança passiva, protegendo cada vez mais os passageiros, e já mesmo os peões, em caso de embate.
2. Os níveis de utilização dos equipamentos de segurança são cada vez mais utilizados(cintos de segurança, capacetes de protecção e sisitemas de retenção de crianças), proporcionando muito maior protecção em caso de embate,
3. As velocidades médias praticadas têm vindo a reduzir-se, pelo que a velocidade de embate apresenta valores médios também mais baixos, daí resultanto menor gravidade nas lesões corporais, e
4. O sistema de emergência vem trabalhando com mais eficiência, daí resultando socorro mais rápido e eficaz.

O lado negativo da evolução verificada na última década, é que ao contrário das duas décadas anteriores, onde se verificou uma muito significativa redução no número de acidentes com danos corporais (menos 24,2% na taxa entre 1985 e 1985 e menos 43,8% entre 1995 e 2005) e de feridos ligeiros face às quilometragem percorrida, não houve menos acidentes nem menos feridos ligeiros.

Torna-se assim da maior importância analisar o que é necessário fazer, nomeadamente ao nível do factor humano, para voltar a reduzir de forma sustentada o número de acidentes. A PRP considera que é decisivo alterar de forma radical a forma como se está a encarar a educação rodoviária e os modelos que presidem à formação de condutores (inicial e contínua).

Consideramos ainda decisiva a obrigatoriedade da implementação de auditorias de segurança rodoviária a todos os projectos de novas vias e aos projectos de remodelação que tenham impacto significativo na circulação (incluindo às vias municipais) e de inspecções à rede existente. Nota adicional – estamos muito preocupados com a qualidade e rigor das auditorias. Estamos disponíveis para mostrar as que realizamos e que consideramos exemplares, e dispostos a exigir que as que forem feitas obedeçam aos critérios de detalhe e qualidade que consideramos necessários, apontando explicitamente quais são e onde estão os potenciais problemas e soluções preconizadas. Caso contrário, tais ferramentas correm o risco de se tornarem numa burocracia sem nenhum tipo de impacto na melhoria da segurança rodoviária, e que só serve para se dizer que se fazem.

José Miguel Trigoso
Presidente do Conselho de Direcção da PRP

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