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O Nobel Comercial

Artigo
O Nobel Comercial

A Silly Season deste ano aqueceu para além do habitual. Tristemente, pela irradiação das labaredas na nossa maltratada floresta. Divertidamente, por uma bem-sucedida ação promocional da editora Gradiva, a propósito do lançamento de um livro de José António Saraiva.

De fato, quer a imprensa quer as redes sociais acolheram o fogo da indignação, de insultos vários, de dúvidas sobre a idoneidade e a saúde mental do JAS. Atacavam o autor por, supostamente atraiçoar valores e princípios da ética jornalística, designadamente os que colocam em causa as fontes e o depósito da sua confiança.

As fontes alimentam os jornalistas e estes alimentam as fontes. Um circulo de interesses, um circulo virtuoso, dizem. Os políticos fazem as “cachas” aos jornalistas, estes as carreiras daqueles e, entretanto, os leitores julgam-se informados, e assim sucessivamente, o que parece servir bem para todos.

Conheci o José António Saraiva em Maio de 1997, quando entrei para a administração da Sojornal (então proprietária do Expresso), e com ele mantive uma relação profissional até 2008. Direta e intensa até 2001, e menos direta depois, uma vez que, nessa altura, passei a gerir todo o universo de publicações em papel (todos os jornais e revistas) e serviços conexos (impressão e distribuição) do Grupo Impresa, e o Pedro Norton assumiu a liderança executiva da Sojornal.

Temos visões muito diferentes sobre a dinâmica das empresas e de equipas de trabalho, opiniões muito diversas sobre as coisas da vida. Mas aprendi a interpretar a sua perspetiva, e acabei tendo estima pessoal e, claro, profissional por ele.

Aos que me rodeiam, comentei: “O JAS faz interpretações muito próprias sobre tudo o que ouve e observa, mas não mente. E ‘Eles’ sabem isso e estão com medo dos colaterais. Por outro lado, também sabem o quão politicamente influente o JAS foi, e o quanto o usaram direta e indiretamente. Contrariamente ao que pretendem, estão a colaborar precipitadamente numa armadilha promocional e, provavelmente, sem previamente terem lido o livro. Nessa arte, há muito que o JAS é Mestre”.

Imagino o quanto o JAS se terá divertido ao longo desta polémica à qual assistiu calado (quem ri não consegue falar), o quanto lhe favoreceu o seu já grande ego, ao ver e ouvir tais comentários, muitos deles carregados de sentimentos tão acalorados quão fúteis, quase sempre escondendo, ainda que com uma peneira, a inveja nuns casos, o receio noutros, e, finalmente, frustrados ajustes de contas em poucos.

Depois do pânico parecer ter-se instalado a uma velocidade e intensidade apenas comparáveis com a curiosidade criada – materializada nas sucessivas edições esgotadas em 3 ou 4 minutos nas livrarias do país -, curiosamente, o assunto caiu na vulgaridade do mainstream e desapareceu.

Terá sido pelo fim da Silly Season? Assumo que os exaltados críticos terão devorado o livro e verificaram que os profanados segredos, vícios ou hábitos sexuais “confidenciados” pelas consagradas fontes não passavam de simples curiosidades, superficialidades e insinuações, com a interpretação e o invólucro, aparentemente naïf, muito próprios e singulares do pensamento e escrita do JAS.

Ao invés, eu julgo que o conteúdo do livro peca por ligeiro, por defeito até. JAS tem muito mais em quantidade e em interesse para revelar. Acredito que ele se estará a salvaguardar para uma “peça em três atos”, após um primeiro que, em jeito de teste, até correu acima das expetativas.

Num livro relativamente insonso há, no entanto, uma mensagem que, na minha opinião, o JAS quer passar: que, de facto, com políticos não há almoços grátis, e muitos deles, que atingiram posições de destaque governativo ou institucional (alguns visados no livro), fizeram e fazem da mentira descarada, do capricho demente e do cinismo refinado os seus pilares de ascensão.

Sim, ao contrário, eu penso que o JAS prestou um serviço aos cidadãos menos avisados. Prestou também um serviço aos jornalistas mais jovens e a alguns menos jovens, ao dar-lhes uma boa oportunidade para aprenderem a ultrapassar a instrumentalização, recorrentemente praticada pela generalidade dos seus clientes políticos. Instrumentalização que, afinal, só a estes tem servido.

Mário Lopes

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Mário Lopes