CompararComparando ...

Consumos anunciados: implicações, certificação e realidade

Artigo
Consumos anunciados: implicações, certificação e realidade

Um dos aspectos que mais pesa na decisão de um consumidor na altura de escolher um automóvel é o consumo. Não só este tem um grande peso nos custos de utilização de um veículo, como também os impostos a que este está sujeito dependem hoje em dia do consumo (através das emissões de CO2 por km). O consumo anunciado, caso não se perceba a sua irigem, é também uma das maiores fontes de mal-entendidos e desilusões para um recém proprietário.

Na prática, a resposta mais correcta à pergunta “quanto gasta este carro?” é “depende”, depende da forma como é conduzido, do tipo de via onde está a ser utilizado e até se o motor está quente ou frio. E é por esta razão que quando geralmente falamos de consumos temos de associar mais alguma informação, por exemplo gasta 8 litros (por cada 100 km) em cidade ou gasta 6 litros (por cada 100 km) em auto-estrada a 130 km/h.

No entanto, como já vimos, por razões regulamentares e fiscais torna-se necessário ter um valor de consumo dito standard, isto é, que possa ser usado para colocar todos os veículos em pé de igualdade. A forma que foi encontrada de o fazer foi através do uso de um ciclo de condução fixo, o NEDC (New European Driving Cycle), introduzido em 2000 e usado no processo de homologação.

opinião

Fonte: http://www.car-engineer.com/the-different-driving-cycles/

Um veículo que esteja no processo de homologação é colocado num banco de rolos que vai simular a resistência ao avanço à medida que o ciclo é executado. Entretanto os gases de escape do veículo são recolhidos em enormes sacos, e no final do ensaio o consumo (e emissão de poluentes) é calculado com base na quantidade e composição dos gases recolhidos. Os primeiros quatro segmentos repetidos do ciclo (+- até ao segundo 800) correspondem à parte urbana do circuito, o último bloco à parte extra-urbana. No total o veículo é conduzido um total de 11023 metros em 1180 segundos para uma velocidade média de 33.6 km/h. Ao longo do processo de condução os instantes que que o condutor deve mudar de caixa estão pré-determinados. Aquilo que não é imediatamente evidente olhando para o ciclo de condução e que este é muito pouco agressivo, por exemplo no segmento extra-urbano a velocidade máxima atingida é de 120 km/h e mesmo assim só durante 10 segundos. Adicionalmente todas as acelerações são muito suaves com um grande número de situações em que o veículo está parado ao ralenti. Tudo isto vai contribuir para que os consumos assim obtidos, embora comparáveis para todos os carros, sejam também muito baixos.

Como tanto depende de um bom resultado no ciclo de teste os fabricantes têm um forte motivação para “afinar” o veículo para o ciclo de teste, recorrendo a todo o tipo de estratégias para reduzir o consumo, como reduzir o peso ao mínimo, desligar o ar condicionado ou afinar as relações de caixa. Embora perfeitamente conforme o regulamento estas práticas ainda mais contribuem para aumentar a diferença entre os consumos homologados e os consumos reais.

Em resumo, o consumo anunciado resulta de um processo de homologação, em que o veículo é operado em condições estritamente controladas e executa um ciclo de condução pré-estabelecido (NEDC). Este processo permite obter um consumo em condições ditas urbanas e extra-urbanas. O ciclo de teste usado tem a particularidade de ser muito pouco agressivo, e é aqui que reside a principal causa da diferença entre consumos anunciados e reais. A agravar este efeito os fabricantes tendem a afinar os veículos para o ciclo de teste, o que afasta ainda mais os consumos da realidade.

De forma a corrigir esta situação está em estudo a introdução de novos ciclos de teste, mais próximos de condições reais de condução. No entanto, devido às implicações que tal teria ao nível de regulamentações e impostos, esta transição tem de ser feito de forma cuidada.

Do ponto de vista do consumidor a mensagem a reter é que embora os consumos publicados sejam sempre inferiores aos consumos reais (20-30%), estes são uma boa base de referência para comparar dois veículos.

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

Qual é a sua reação?
Excelente
0%
Adoro
0%
Gosto
0%
Razoavel
0%
Não gosto
0%
Sobre o autor
zyrgon