CompararComparando ...

A “reforma da fiscalidade verde” e o seu impacto no preço dos combustíveis rodoviários

Artigo
A “reforma da fiscalidade verde” e o seu impacto no preço dos combustíveis rodoviários

Depois de um intervalo de um mês, volto com um tema que a todos interessa: os impostos sobre os combustíveis. Isto a propósito da proposta que a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde submeteu a consulta pública, no período que terminou a 15 de agosto

Devo começar por afirmar que subscrevo totalmente a tese de que os impactos ambientais devem ser internalizados, constituindo uma parte do preço final que todos pagamos pelos bens consumidos. Os produtos energéticos não deverão ser exceção. Devido ao amplo debate sobre as emissões de gases com efeito de estufa, particularmente o CO2, e as eventuais alterações climáticas daí resultantes, estão mesmo na linha da frente. Talvez outros temas, que igualmente ameaçam o equilíbrio do nosso planeta, com o crescimento da população humana à cabeça, devessem merecer igual atenção. Mas isso não faz parte da minha reflexão de hoje.

Posto isto, pode parecer linear que a aplicação de uma taxa de carbono sobre os produtos energéticos de origem fóssil, como proposto pela Comissão, é uma medida justificável, sensata e até óbvia. Contudo, não me parece que assim seja: a medida não é justa, nem equitativa e pode criar problemas acrescidos para as empresas e consumidores, face ao que se passa noutros países e, muito particularmente, na nossa vizinha Espanha. Passo a explicar, de forma muito sucinta, as minhas reservas: i) os produtos energéticos, e os combustíveis rodoviários em particular, já estão sujeitos a uma elevada carga fiscal; ii) pode-se argumentar que essa carga já internaliza de algum modo o impacto ambiental; iii) a taxa de carbono, agora proposta, não é aplicada pela generalidade dos países, verificando-se que aqueles que a aplicaram são países mais ricos e em que o poder de compra é significativamente superior ao dos consumidores portugueses; iv) Espanha não tem essa taxa, o que irá agravar o diferencial de preços entre os dois países com as consequências que todos já conhecemos; v) finalmente, mas não menos importante, trata de uma forma discriminatória um conjunto de produtos energéticos, sem que isso seja baseado nos méritos e características de cada um, mas apenas resultante de uma opção política.

Parece-me, pois, que não se trata de uma verdadeira reforma com os objetivos declarados mas, simplesmente, de um aumento de impostos aplicado de forma não equilibrada nem equitativa. Já manifestei várias vezes a opinião de que, passada a fase de investigação e desenvolvimento e de prototipagem, em que sou adepto de haver apoios públicos, todas as formas de energia deverão ter o mesmo tratamento fiscal, a partir do momento em que no mercado disputam o seu próprio espaço. Este mesmo princípio está, aliás, subjacente na proposta de revisão da diretiva sobre a fiscalidade dos produtos energéticos. Isto significa que todos os produtos energéticos utilizados com a mesma finalidade devem ser taxados de igual modo, com base em dois critérios: o seu conteúdo energético e as emissões que a sua utilização acarreta. Permite-se assim alinhar a fiscalidade com os dois grandes objetivos da UE em termos de energia e clima: redução do consumo (eficiência energética) e das emissões. Respeita ainda a neutralidade tecnológica, permitindo que todos concorram com base nos seus méritos e não por decisões administrativas, que poderão criar distorções eventualmente contrárias aos interesses anunciados. Para além das consequências económicas negativas já referidas.

Concluindo, acho que esta taxa, que vai onerar unilateralmente os combustíveis de origem fóssil, deve ser antes incorporada numa revisão profunda do ISP, em que sejam respeitados os princípios de equidade fiscal e neutralidade tecnológica acima referidos. Também tenho a noção de que a equidade que reclamo, eliminando as distorções já existentes e as agora agravadas com a proposta da Comissão, terá que ser conseguida ao longo de um período suficientemente longo, para permitir aos agentes económicos adaptarem-se à nova realidade.

António Comprido
Secretário-geral da APETRO

Qual é a sua reação?
Excelente
0%
Adoro
0%
Gosto
0%
Razoavel
0%
Não gosto
0%
Sobre o autor
zyrgon