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A representatividade africana nos desportos

Artigo
A representatividade africana nos desportos

O desporto africano tem sido, infelizmente, muitas vezes conotado com situações “confusionistas” ou de falta de organização.

Ainda está quente o assunto do CAN (Campeonato Africano das Nações) de Futebol, rejeitado por Marrocos, estando alegadamente em causa o risco de disseminação do vírus ébola. A CAF (Confederação Africana de Futebol) reagiu rapidamente, respondendo à polémica iniciada pela congénere europeia – acusada de ingerência nos assuntos africanos, anunciando a realização da edição do CAN de 2015 na Guiné Equatorial e chamando a atenção para o facto de esta nunca ter falhado a sua realização em 57 anos de história.

A autonomia das decisões em relação às competições desportivas em África, ao seu cancelamento por acontecimentos alheios à vontade dos organizadores, incluindo a disseminação do ébola, têm atingido proporções alarmantes nestes últimos tempos. Mas algo está a mudar.

Curiosamente contrariando o que acabou de ser anunciado no meio futebolístico, realizou-se entre 10 e 17 de Outubro passado, na cidade de Aghadir (Marrocos) o campeonato africano de vela, na classe Optimist.

O risco de ébola terá sido esquecido ? Os atletas da modalidade de vela, seus familiares e apoiantes, provenientes de vários países africanos e alguns convidados europeus e norte americanos, podem ter sido potencialmente expostos a doenças e os do futebol não ?

Tive de me deslocar de Angola a Santander (Espanha) em Setembro, para as provas de qualificação olímpicas da modalidade de vela, a Marrocos em Outubro, para o já referido campeonato de vela, depois à Argentina (campeonato mundial de vela, classe Optimist) e ainda a Palma de Maiorca (Espanha) no início do mês de Novembro para a Assembleia Geral anual da ISAF (Federação Internacional de Vela), antes de regressar a Angola.

Em todos estes locais estiveram atletas, treinadores, dirigentes e apoiantes africanos, de várias áreas do desporto. Apenas em Palma de Maiorca (não em Madrid, por onde tinha entrado em Espanha) fui questionado em relação aos países onde tinha estado, mediram-me a temperatura e tive de responder a um inquérito sobre o meu estado de saúde.

Estranho… para quem depois se preocupa tanto com o ébola em Marrocos.

Curioso o pormenor de também me terem medido a temperatura à chegada ao aeroporto 4 de Fevereiro em Luanda, supostamente por aplicação de medidas de prevenção relacionadas com o surto de legionella , recentemente noticiado em Portugal !

O facto é que o campeonato africano de vela tinha sido já mudado de Maputo (Moçambique), onde se deveria ter disputado em Setembro, para Marrocos – por a Federação Moçambicana e a Associação internacional da classe Optimist ter temido pela segurança das delegações, num momento em que os raptos recorrentes e a potencial instabilidade associada ao período eleitoral eram notícia nos media internacionais. Em Setembro não havia ébola ?

Qual a responsabilidade com que estes meios de divulgação e “fazedores” de opinião têm na eventual disseminação da ideia de que “África não é segura” ?

Além da CAF, outras modalidades têm representatividade africana, como por exemplo a Confederação africana de voleibol (CAVB), de andebol (CAHB), de Basquetebol (FIBA Africa), Rugby (CAR), Atletismo (CAA), Natação (CANA), Canoagem (ICF),Ténis (CAT), Badmington (BCA), Judo (UAJ), Ciclismo (CIC) e Vela (ASCON), algumas com provas continentais com elevado nível competitivo.

Nesta última por exemplo, o aparente rejuvenescimento da estrutura, com a entrada de novas potências – nomeadamente Moçambique e Angola, determinou a realização das provas de apuramento dos atletas das quotas africanas para os jogos olímpicos do Rio de Janeiro (2016) em continente africano e não, como estava a ser imposto, em provas realizadas na Europa.

Se queremos que o desporto africano cresça e amadureça, temos de criar heróis africanos, publicitá-los, fazer com que as crianças e jovens tenham nos seus ídolos uma imagem do que querem ser “quando forem grandes”.

Mais ainda: o facto das provas qualificativas serem mais perto de “casa” fará com que apareçam mais pretendentes à internacionalização, com que os media africanos e locais cubram os eventos e com que os governos e organismos que tutelam o desporto nos vários países sejam chamados a testemunhar momentos de regozijo para o desporto africano.

O desporto, e em particular a vertente da competição em África – em qualquer modalidade, é uma festa e uma fonte de inspiração.

E o que se passa no e motociclismo (FIM) e no desporto automóvel (FIA)?

No motociclismo, na última reunião da FIM-Africa no final de Outubro, estiveram representados Botswana, Egipto, Marrocos, Namíbia, Quénia, Uganda, Zâmbia, Zimbabwe e África do Sul. Esta associação continental mostra trabalho, ao estabelecer parâmetros e normas para as competições em África, mas falta-lhe representatividade verdadeiramente continental, com apenas os países da SADC (África Austral) a terem alguma actividade. A única competição internacional que parece ter algum sucesso (com bastante participação e resultados publicados) é o “Southern Off Road Championship”, campeonato que envolve atletas principalmente da África do Sul, com representantes da Namíbia, Zâmbia, Zimbabwe e Botswana, na maior parte dos casos residentes nesses países mas com passaporte sul africano. Não existem campeonatos africanos de velocidade, resistência, todo o terreno ou motocross, de facto ou com um mínimo de representatividade continental. Com tantas provas dadas no todo terreno e com algumas das provas mais emblemáticas nesta modalidade, os africanos pouco (algo?) têm a dizer.

Quanto à Federação Internacional de Automobilismo (FIA), África está incluída junto com a Europa e o Médio Oriente, como “Regional Office”, com 119 clubes representados. A região norte americana tem 8 (!) clubes, a da América do Sul e Central 19 e a Asia e Oceânia 21. Na última reunião da confederação dos desportos automóveis dos países africanos (CACMS), em Setembro de 2013, estavam representados Madagáscar, Costa do Marfim, Burundi, Quénia, Uganda, Zâmbia, Tanzânia, Zimbabwe, Maurícias, Botswana, Moçambique, Ruanda e África do Sul. Apesar de não se terem feito representar, alguns outros países têm uma enérgica actividade desportiva nos desportos motorizados, como é o caso por exemplo de Angola (ver as notícias publicadas na Absolute Motors).

Quantos clubes africanos estão representados na FIA? Certamente mais que os 8 que justificam a separação da América do Norte da região da América Central e do Sul…

Afinal porque é que não há campeonatos africanos nos desportos motorizados ?

Será que assumindo o quanto antes as “rédeas” dos eventos realizados em solo africano as confederações africanas conseguem despoletar todo um novo processo de realização de competições internacionais, com recurso a patrocínios de empresas africanas e criação de campeões continentais ?

Um sonho passa a ser um projecto quando lhe adicionamos um cronograma e um orçamento !

Nuno Gomes
Pró-reitor da UnIA

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