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Será que a ponte é uma passagem?…

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Será que a ponte é uma passagem?…

Mesmo que o seu presidente (por sinal, a mesma pessoa que, à época, enquanto titular da pasta das Obras Públicas, assinou o contrato de concessão original) insista em não o considerar como tal, o negócio estabelecido entre o consórcio Lusoponte e o Estado português é vulgarmente considerado como a primeira Parceria Público-Privada criada em Portugal. É a chamada “mãe das PPPs”, também classificada, consoante os autores e a proveniência, como “O grande aspirador financeiro”; “dos piores exemplos de concessões”; “dos piores contratos para o Estado português”; “negócio ruinoso para o Estado português”. A sua primordial razão de existir, o que terá motivado a sua criação (a ponte que liga as duas margens do Tejo nas zonas do Parque das Nações e de Alcochete), já foi carinhosamente apelidada como o “Poço Vasco da Gama” – metáfora, seguramente, menos devida à qualidade da obra do que aos seus encargos financeiros, para bem da segurança de todos quantos têm de a utilizar… Ao menos isso!

Por manifesta falta de oportunidade para o tema em apreço, e não menos evidente incapacidade, não me cabe avaliar os eventuais benefícios e prejuízos deste negócio para cada uma das partes envolvidas. O tema, aqui, é um pouco mais prosaico, ainda que não despiciendo para os clientes da empresa. Que, como é sabido, ao abrigo do tal acordo de concessão, passou a gerir também a Ponte 25 de Abril, tendo, entre outros deveres e responsabilidades, a tarefa de cobrar as portagens a quem na mesma passa.

Talvez valha a pena aqui recordar que, graças aqueloutro negócio espantoso que foram as SCUT, e ao não menos admirável sistema de portagens nas ditas implementado quando aquela parte do “sem custo para o utilizador” passou a ser apenas mais uma entrada do anedotário português, ficou aberta a porta para que fosse possível as portagens em Portugal (mesmo as que têm fisicamente que ser pagas no local) não contassem com a assistência de qualquer portageiro – a conhecida receita de, suprimindo-se o elemento humano, reduzirem-se os encargos fixos. Algumas concessionárias de auto-estradas seguiram esse caminho, introduzindo nas cabines de portagem máquinas de pagamento automático.

Não a Lusoponte. Exceptuando as vias destinadas aos detentores de Via Verde, nas pontes Vvasco da Gama e 25 de Abril, as portagens são cobradas por pessoas de carne e osso. O que terá as suas vantagens óbvias, e tenderia a considerar meritório – o problema é a condicionante de deixar o utilizador (logo, pagador) à mercê dos caprichos e cálculos de quem decide quantos portageiros deverão atender quantos clientes.

No meu caso, por imperativos profissionais, desloco-me com regularidade à margem sul do Tejo, via Ponte 25 de Abril, a horas de menor tráfego, já noite dentro. E, de há uns tempos a esta parte, vinha notando que, não raro, e mesmo em alturas em que o tráfego ainda regista algum movimento, não mais do que uma cabine está disponível para o chamado pagamento manual. E, já agora, sem que nenhum aviso disso mesmo seja prestado nos próprios acessos à praça da portagem, o que leva a que, constantemente, os mais incautos (se optarem pela via mais à direita na zona do acesso de quem vem de Almada, numa altura em que a dita praça ainda não é visível, devido ao relevo do local) sejam obrigados a transpor vários traços contínuos, e a atravessar as vias destinadas à Via Verde, para chegar à única cabine onde podem cumprir o seu dever de pagar o montante devido – o que não só obriga a uma violação do Código da Estrada, como põe em causa a segurança dos utilizadores.

Apesar de já habituado a passar longos minutos na fila para efectuar o pagamento, na passada noite de sexta-feira para Sábado, um pouco antes da uma da madrugada, o volume de trânsito era tal que há já praticamente vinte minutos que aguardava com cada vez menos paciência pela minha vez de pagar e atravessar, finalmente, a ponte de regresso à capital. Por considerar abusiva a situação, decido contactar o serviço de controlo de tráfego da ponte 25 de Abril no sentido de obter uma justificação para o sucedido.

Atendido por um simpático funcionário, exponho a situação e, acto contínuo, sou desmentido (!) pela diligente figura, que afirma não ser possível estar há tanto tempo na fila… Ainda bem que ele sabe melhor do que eu! Não obstante, também não enjeita considerar “inaceitável” (palavras suas) a demora, que se terá devido a uma ida à casa de banho mais demorada do que o esperado de uma funcionária que deveria estar a assegurar o funcionamento de uma segunda cabine de pagamento. Uma justificação plausível, sem dúvida, pois percalços todos temos – mas, também, conveniente, e que não explica tudo. Questiono, então, por que motivo é a situação recorrente, se é política da empresa não ter mais do que um funcionário nestas funções a partir de determinada hora, dando como exemplo uma situação ocorrida duas noites atrás. Informa-me não poder pronunciar-se sobre esse caso em concreto, por não ter estado então de serviço, remetendo quaisquer outras explicações para o serviço de atendimento da empresa.

Primeiro dia útil após o sucedido, diligencio nesse sentido. Marco o número 212 947 920, de atendimento da Ponte Vasco da Gama. Após mais de 17 minutos a ouvir a mesma mensagem de atendimento automático, sou tentado a contactar os serviços da Ponte 25 de Abril – apenas para saber a quem me deveria dirigir para obter as informações pretendidas. De imediato chego à fala com um funcionário, que me informa que tal desiderato só poderá ser alcançado através de outro contacto telefónico – o da Ponte Vasco da Gama… Encho-me de brio, não desisto, e insisto na ligação: volto a ficar mais de 45 minutos no mesmo rame-rame da mensagem de acolhimento do sistema atendimento automático. Desisto, já convencido de que, insistindo, muito provavelmente, por esta altura ainda estaria à espera…

Decido escrever estas linhas. Sem mais elementos concretos que me permitam estabelecer uma outra linha de raciocínio, sou obrigado a concluir que, para a Lusoponte, é aceitável que um cliente, em período de (muito) pouca intensidade de tráfego, perca mais tempo à espera de pagar a portagem do que aquele que consumirá a percorrer o traçado da ponte, ou mesmo do que o que gastou no percurso que até aí o levou. E que tal hiato também seja aceitável para que se atenda uma mera chamada telefónica. Estamos esclarecidos quanto à qualidade do serviço que a empresa considera dever prestar a quem ter por obrigação servir. E, aqui chegado, nada mais me ocorre do que aquela máxima tão portuguesa do “paga e não bufa”… Benditas PPPs!

António de Sousa Pereira
Director da Absolute Motors

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