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Um pouco de história

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Um pouco de história

Hoje em dia as principais inovações nos motores de combustão interna são cada vez menos visíveis a olho nu (materiais, electrónica, processos de produção). A nível da geometria dos motores, especialmente se estivermos a falar de motores de automóveis, são muito poucos os desvios aos tradicionais motores em linha ou em V com mais ou menos cilindros. No entanto nem sempre foi assim.

A primeira metade do século XX foi um período muito interessante na evolução tecnológica dos motores de combustão interna. Ainda não era claro o que funcionava ou não, e a experimentação era a regra a todos os níveis.

Uma das áreas onde este fenómeno era mais visível era nos motores de avião. Neste tipo de motores o peso, potência e eficiência levavam a que fossem testadas ideias novadoras que raramente se viam noutras áreas. Um exemplo desse processo foi um motor desenvolvido nos anos 30 pelo fabricante alemão Junkers (à data um dos principais fabricantes mundiais de aviões e motores). O mercado de motores para aviação nesta época era dominado por motores a gasolina, relativamente simples de construir e que permitiam potências elevadas, mas tinham o defeito já conhecido na altura de terem eficiências baixas. As vantagens do motor Diesel a nível de eficiência já eram conhecidas mas o seu peso elevado levava a que não fossem vistos como adequados para motorizar aviões onde o peso era um factor crítico e o custo com combustíveis não era importante. O que a Junkers percebeu é que a utilização de um motor mais eficiente permitiria aumentar a autonomia de um avião, pois a quantidade de combustível que era possível transportar também era limitada. E foi assim que decidiram desenvolver um motor Diesel adequado para uso em aviões, pensado especialmente para o mercado da aviação civil. A necessidade de conter o peso levou a que o motor desenvolvido, o Junkers 204, tivesse uma geometria algo invulgar. A opção foi por um motor de pistões opostos, isto é, cada um dos seis cilindros tinha um pistão em cada extremidade. Estes pistões estavam ligados a duas cambotas, uma em cada extremo.

Além da geometria original, o motor operava no ciclo a 2 tempos e era sobrealimentado por um compressor centrífugo. A potência era de 740 cv com um excelente consumo específico. Este motor teve um sucesso limitado por dois factores. Além de ser mais caro e complexo que motores a gasolina comparáveis, o início da segunda guerra mundial levou a que a sua disponibilidade ficasse muito limitada, embora tenha sido usado numa mão cheia de aviões militares alemães (com destaque para alguns hidroaviões de reconhecimento onde tinha a vantagem de partilhar o combustível com os submarinos, podendo assim ser reabastecido em mar alto).

A história deste motor ficaria por aqui não fosse o facto de a Napier, um importante fabricante de motores britânico (mais tarde conhecido por motores de alta performance como o Napier Sabre) ter adquirido uma licença de produção mesmo antes da guerra, tendo produzido o motor na forma do Napier Culverin em pequena série. O passo seguinte desta linha de desenvolvimento deu-se no final dos anos 40 quando a Napier desenvolveu o motor para aplicações que necessitavam de mais potência como locomotivas e navios. A opção tomada transformou um motor já de si original em algo ainda mais único. Por forma a aumentar a potência mantendo as mesmas dimensões de cada cilindro a única hipótese era aumentar o número de cilindros, e de forma a manter as dimensões compactas a Napier optou por juntar três motores numa geometria de triângulo invertido ou delta(∇).

Com uma animação é possível verificar como este motor operava.

220px-Napier_Deltic_Animation

O resultado foi um motor Diesel muito potente para a época, com 1650 cv, leve e compacto. Para além de um conjunto de embarcações militares, desde draga-minas a lanchas rápidas, a aplicação mais importante foi na locomotiva Diesel British Rail Class 55, também conhecida por Deltic, desenvolvida no início da década de 60. Devido ao peso e dimensões reduzidas foi possível instalar não um mas dois motores na mesma locomotiva, o que permitia dispor de mais de 3000 cv, mais do dobro das locomotivas Diesel então ao serviço. Isto permitiu que esta locomotiva operasse em serviços de prestígio até então feitos por locomotivas a vapor, com velocidades máximas da ordem dos 160 km/h. Estas locomotivas operaram até aos anos 80, altura em que foram substituídas por material circulante de alta velocidade (o InterCity 125). Nada mau para tecnologia alemã dos anos 30…

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

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