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A reputação e a credibilidade

Artigo
A reputação e a credibilidade

É impossível resistir à tentação de falar sobre o recente “sismo” que se abateu sobre a indústria automóvel com a alegada manipulação dos testes de medição de emissões. Apesar de os dados concretos apontarem, até à data, para uma única série de um modelo de motor que equipa vários veículos das marcas do Grupo VW, é inevitável que o seu impacto ultrapasse largamente esse universo circunscrito e se expanda a todas as marcas do Grupo VW, à indústria automóvel alemã e mesmo europeia, com suspeitas que vão sendo noticiadas diariamente.

A questão que se me coloca é: “Como foi isto possível?”. Como é que um grupo de responsáveis, obviamente que um caso destes não pode ter uma única pessoa como mentora e executora do plano, esquece tudo o que aprendeu sobre ética empresarial e sobre a importância que a reputação e a credibilidade têm na sua empresa, na indústria e até no modelo de sociedade em que vivemos? Para além disso este acontecimento revela uma falha gravíssima nos processos de governação e de controlo internos, que minam a confiança dos acionistas e de outras partes interessadas.

Mas, se por razões de natureza humana e por falta de controlo interno, o crivo relativo à importantíssima questão de ética colocada não funcionou, como é que são tomadas decisões em que uma análise de risco evidencia serem totalmente descabidas? Olhando de uma forma simplista, mas Que me parece suficiente face à magnitude do problema, como é que uma decisão deste tipo passa no crivo “probabilidade x impacto”? Este último era fácil de adivinhar e as primeiras consequências já estão à vista: perda brutal no valor das ações em bolsa, potenciais pesadas multas e pedidos de indemnização por parte não só de clientes, mas de outros parceiros de negócio, quebras nas vendas, desmoralização da força de trabalho, e muito mais. Quanto à probabilidade, é preciso ser muito ingénuo para esquecer a máxima “podem enganar-se alguns muito tempo, podem enganar-se muitos algum tempo, mas não se podem enganar todos indefinidamente”. Com o escrutínio a que esta indústria está sujeita, não só por parte das autoridades nacionais e internacionais, mas também por académicos, cientistas, jornalistas, organizações não-governamentais e todas as partes interessadas, algumas delas munidas de conhecimento científico e meios técnicos mais do que suficientes para detetarem estas situações, como é que alguém não considera que existe uma probabilidade, no mínimo média, de ser descoberta a manipulação de resultados de testes? Em suma, com um impacto enorme, que pode por em causa a própria sobrevivência da empresa, e uma probabilidade média / alta, como é que alguém embarca nesta aventura?

Importa agora refletir sobre o que vai acontecer. Qual vai ser a influência na indústria e mesmo no nosso padrão de vida? Para além das consequências diretas já descritas e outras em todos os parceiros de negócio que verão, muito provavelmente, a sua atividade afetada, desde os fornecedores de componentes, bens e serviços, à força de trabalho, às redes de comercialização e às próprias comunidades em que essas atividades estão implementadas, convirá uma reflexão sobre as que vão mais além. Não sei nem quero fazer futurologia, por isso deixo apenas algumas questões para reflexão: como irá ser afetada a indústria do “diesel”? Como é que tudo isto se vai repercutir no desenvolvimento da tecnologia dos motores de combustão interna? Vão as tecnologias alternativas encontrar aqui um novo fôlego para se desenvolverem e ganhar mais rapidamente quota de mercado?

Mas, como em tudo, não há só razões para nos preocuparmos. Também haverão consequências positivas. Os sistemas de governação e de controlo interno irão, com certeza, ser revistos e melhorados; a atuação dos organismos de supervisão será mais incisiva e rigorosa; o desenvolvimento tecnológico terá um maior incentivo para encontrar soluções que permitam soluções sustentáveis; os cidadãos e consumidores estarão mais atentos e quererão ter garantias de que o que é anunciado pode ser claramente comprovado.

E apenas uma reflexão final: a reputação e a credibilidade demoram anos a construir…. Mas apenas um instante a serem destruídas. Como é que mesmo perante os exemplos que vão surgindo, alguns teimam e insistem em não aprender?

António Comprido
Secretário-geral da APETRO

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