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Este artigo não é sobre a VW

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Este artigo não é sobre a VW

As reais consequências do caso VW, muito bem dissecado de um ponto de vista técnico pelo Doutor Gonçalo Duarte, ainda não são de todo claras, seja para a própria VW, para os consumidores, para os reguladores ou para a indústria automóvel como um todo. Enquanto aguardamos gostaria de partilhar algumas reflexões sobre o tema.

A primeira é o uso pouco claro que se faz do termo poluente, que é aplicado indiscriminadamente quer ao NOx que despoletou o caso quer ao CO2 muito mais conhecido. Este caso diz respeito a um dos quatro poluentes controlados: NOx (óxidos de azoto), HC (hidrocarbonetos não queimados), CO (monóxido de carbono) e partículas. Para estes quatro há um limite independente veículo (um superdesportivo tem de cumprir os mesmos limites que um utilitário) que tem de ser cumprido e que depende da norma Euro (vamos agora na Euro 6). As reduções destes poluentes são principalmente conseguidas utilizando equipamentos para tratamento dos gases de escape como sejam os catalisadores e os filtros de partículas. Já para o CO2, uma vez que este resulta inevitavelmente da queima de qualquer combustível que contenha carbono, a única maneira de reduzir a sua emissão é reduzindo os consumos, e isso só se consegue com veículos mais eficientes.

Um segundo aspecto é a conclusão aparente de que os veículos modernos são afinal muito mais poluentes do que se esperava. E se isso é em parte verdade, não nos podemos esquecer que mesmo que um veículo Euro 6 emita mais poluentes do que a certificação, vai mesmo assim emitir muito menos do que um Euro 5 ou 4 (para já não falar dos mais antigos). Simplesmente a redução não foi tanta quanto a que o regulador desejaria que fosse.

E já que estamos no regulador, este tem à sua frente um dilema. Uma das principais (senão a principal) preocupação das autoridades europeias nos últimos anos tem sido em torno do CO2. E sabe-se que, para as mesmas condições, um veículo Diesel emite menos CO2 que um veículo a gasolina equivalente. Isto levou a que o veículo Diesel tenha vindo a ser “promovido”, sendo um exemplo disso a fiscalidade estar muito dependente do CO2. Ora se num motor a gasolina as técnicas para o tornar eficiente vão geralmente no mesmo sentido de lhe reduzir a emissão de poluentes (por exemplo através de um bom controle da combustão), já um motor Diesel eficiente (por exemplo com elevada taxa de compressão e sobrealimentação) tende a ter maior emissão de NOx. Emissão essa que pode ser reduzida mas com custos muito mais elevados.

E já que falamos de fiscalidade, boa parte dos impostos que são pagos na aquisição e utilização de um veículo estão associados à sua emissão de CO2 (que como já vimos é o mesmo que consumo). Se uma das consequências desta situação for a alteração do processo de certificação para se aproximar da condução real, inevitavelmente vai ocorrer um aumento das emissões de CO2 para efeitos fiscais (embora na condução real os carros continuem a emitir o mesmo). Uma vez que os impostos deste dependem, se as tabelas não forem actualizadas vamos observar um aumento significativo do preço de venda dos automóveis, independentemente do combustível ou da tecnologia do veículo.

Por último, a forma como todos os construtores e reguladores têm vindo a a adiar sucessivamente a resolução do problema já bem conhecido da inadequação do processo de certificação, levou a que tenhamos chegado a um ponto em que este já não serve a ninguém. O regulador cria legislação que só no papel dá resultados já que os impactos reais são inferiores ao pretendido, os fabricantes acabam por estar a produzir veículos para ficar bem na certificação em vez de no mundo real, e finalmente os consumidores são confrontados com números de consumo e emissões publicados que cada vez menos têm menos relação com a realidade.

É por tudo o que escrevi acima que, na minha opinião, a única acção possível para voltarmos a ter uma relação saudável entre todos os intervenientes (reguladores, fabricantes e consumidores) é atacar a raiz do problema, o processo de certificação.

Gonçalo Gonçalves
Coordenador do laboratório de veículos e propulsão do DEM-IST

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